terça-feira, 31 de julho de 2007

Os cata-ventos

- Então, meninas, é isto. Vocês aceitam me ajudar?

As quatro mulheres à frente de Débora se entreolharam, tentando ler os semblantes umas das outras para saber se topavam ou não. Liliane, a prima, interveio e salvou a situação com as amigas: - Vamos fazer o seguinte: fala quem quiser. A Débora precisa da gente pra reportagem dela, mas ninguém é obrigada a nada. Quem não estiver a fim, fica quieta e curte a bebida e o papo. Eu começo. Débora quase levantou as mãos em louvor à prima que os deuses colocaram em sua vida. Sete anos mais velha, descolada, independente, morando com o namorado, Liliane era tudo o que a jornalista queria ser. - Eu tinha 15 anos – começou – Queria que minha primeira vez fosse com o namorado da época, o Serginho, lembra dele? Pois é. Dois dias depois do meu aniversário, estava sozinha em casa, ele apareceu. E foi. - Foi bom? - Depende. Foi legal, ele me tratou bem, não senti dor. Mas também não senti nada. Os meses passaram, a gente fazia, fazia... ele revirava os olhos, gemia e pronto. Eu, nada. Podia dormir que não faria diferença. - Nada de prazer? - Não. A gente transava há oito meses e nada. Eu achava que fosse comigo. Até que um dia, fui à festa de uma vizinha que havia passado no vestibular. Festa sem pais, galera mais velha, eu sozinha... tinha um cara lindo lá, quatro anos mais velho que eu. Não parava de me olhar. Eu me sentia despida com aqueles olhos me seguindo, mas gostei. Daí, fui ao banheiro, no andar de cima. Quando abri a porta para sair, dei de cara com ele. Me beijou, me deixou em brasa. Entramos em um dos quartos. Nem conversamos, ele me atirou na cama, e me arrancou as roupas. Parecia um bicho. Quando ele tirou as calças, não consegui dar um pio: era enorme! Botou a camisinha e imediatamente meteu em mim. Quis gritar, doeu fundo e fino, mas foi ficando bom. Depois de um tempo, gritei mesmo, mas de prazer. Parecia que o mundo girava cada vez mais rápido, rodopiava. - Como um cata-vento! – completou Giovanna. – Também foi a sensação que tive. - Foi muito bom – continuou Liliane – Depois, ainda nos vimos outras vezes, mas acabou. Serviu para descobrir que gosto de um pouco de violência, de tesão desenfreado. Papai e mamãe não me faz gozar. Elas levaram tempo para voltar a si, lembrando das próprias experiências. Carol tomou a palavra. - Comigo foi bem diferente. Namorava fixo, tinha 17 anos. Tentamos transar desde agosto, mas eu não conseguia, sentia muita dor. Pensem: eu era uma virgenzinha indefesa, e ele tinha 19 cm. Sim, eu medi! – disse ela, diante da expressão estupefata das outras – Só dois meses depois consegui relaxar e rolou. Foi bom, mas só. Não vi estrelas, o quarto não rodou, não houve fogos de artifício.
- Nem cata-ventos? - Nem cata-ventos. Continuamos transando... depois de um mês, eu senti alguma coisa a mais e gostei do negócio. Mas pra mim, não era um orgasmo. Passaram mais quatro semanas até que, conversando com uma amiga, ela me descreveu como era chegar lá. Pensei: “que legal! Gozei e só descobri um mês depois!”.
Risos altos, elas chamaram a atenção dos ocupantes das mesas próximas. Todos homens. Débora pensava: “Aiai, eles estão ouvindo!”. E depois, “Dane-se. Todo mundo goza. E quem não goza, deveria”. - O que você esperava, Carol? - Sei lá. Fogos. Cata-ventos. Algo que fosse muito maior. Mas ficou maior com o passar do tempo. É como girar cada vez mais rápido, de braços abertos, sozinha em uma planície. Como um pião.
Engraçado. Era a segunda vez que usavam um brinquedo para descrever a sensação de orgasmo. De repente, deu-se conta do quanto eram todas jovens. Entre ela e a mais velha, apenas sete anos de diferença. E agora, discutiam a magia mais antiga do mundo. Como se fossem crianças de brinquedo novo. - Já eu passei um bom tempo só gozando com uma boa chupada – Giovanna, 28 anos, tinha que ser ela. Bem que parecia ter cara de puta. Falava alto, chamou ainda mais a atenção – Perdi a virgindade aos 18. Já me masturbava antes, até sentia algum prazer, mas nada de parar o mundo. Era feinha, demorei a perceber que causava interesse nos outros. Então, quando me vi com 18 anos, na faculdade, ainda virgem, entrei em desespero. Dei pra um cara que nunca tinha visto, num dos forrós universitários. Ele tava bêbado, não ia lembrar pra contar pra ninguém. Foi num banco de carro. Horrível. Só gozei pela primeira vez um ano depois, quando transei com uma garota. Fui porque quis ser moderna, acabei adorando. Ela me fez um oral maravilhoso, eu ia às nuvens. Também transei com outras garotas, até me acertar com os rapazes. Transei com homens, mulheres, vários ao mesmo tempo. Hoje, estou há dois anos com a Clara. O melhor orgasmo da minha vida! A mulher mais linda que já vi... Ficou um tempinho em silêncio, os olhos marejados. Não, ela não era puta. Só se forçava pra parecer descolada. Como se sexo não tivesse importância, amor não existisse. Não passamos todas por fases assim? De experimentação, de galinhagem. Até descobrir que ficar presa nos olhos de alguém é a melhor coisa que pode acontecer. Ficaram pensando a respeito de amor, até que Sarah soltou:
- Já eu gozei antes de perder a virgindade... Olhares atônitos. O bar inteiro esperava os detalhes sórdidos. - Eu dava amassos mais fortes nos ficantes desde os quinze anos. Um deles uma vez fez alguma coisa com os dedos que até hoje não consegui descobrir exatamente, mas era bom demais! Foi assim que tive meu primeiro orgasmo. Depois perdi a virgindade, transei com outros caras, e nada. Só tive outro orgasmo quando reencontrei o mesmo ficante da masturbação. - Nossa, que dedos mágicos! - Pois é. E foi na mosca. Gozei de novo. Achei que o melhor era transar com ele pra ver se eu sentia alguma coisa. Daí, foi! Finalmente o cata-vento! - E continua sendo difícil gozar? - Que nada! Depois que aprendi, gozo rapidíssimo. Melhor que um coelho! O Lauro tem dificuldades em me manter interessada depois que gozo... foco, meninas. Tudo é uma questão de foco!! - Então... um brinde ao cata-vento! Levantaram os copos, só para ter uma surpresa: o bar inteiro, discretamente, brindou com elas. Ao cata-vento. Débora saiu do bar com a cabeça leve, o corpo flutuando. Bêbada, evidente. Mas também com uma vontade... do táxi, ligou para o namorado e o chamou para encontrá-la em casa. A noite seria de muitos cata-ventos.

Panela velha é que faz comida boa?

O orgasmo masculino é explícito, evidente e líquido. O feminino é um mistério, inclusive para muitas de nós. Mas, por incrível que pareça, a tendência é que, conforme os anos passam, as névoas se dissolvam um pouco mais... Além de repleto de mistérios, nosso prazer foi vitima de preconceitos durante toda a história. Já começa com a lenda de Lilith, a primeira mulher de Adão, que teria sido expulsa do Paraíso porque não aceitava ser passiva durante as relações sexuais. Pode? O pior é que a perseguição cristã ao gozo feminino não ficou por aí: na Idade Média, as mulheres que “chegavam lá” eram consideradas bruxas e iam direto pras chamas (da fogueira e do inferno). Tsc tsc... Não é à toa que com toda essa carga ideológica muitas mulheres acabam demorando pra descobrir o que há demais numa relação sexual. Muitas morrem sem saber o que é uma boa gozada nem o porquê das amigas gostarem de sexo! Olhe bem para a foto acima. Os lábios permanentemente úmidos, os olhos semi-cerrados e delineadíssimos, o corpo de violão mais sexy e fotografado da década de 1950... Marilyn Monroe reinou soberana nas telas e nas fantasias masculinas desde 1953, quando fez sua primeira protagonista, no filme Niagara, até a sua morte, nove anos depois. Era o sexo em forma de mulher, não tanto pelas suas personagens, loiras bobinhas e aproveitadoras, mas pela imagem que cultivava. Na ultraconservadora América dos anos 50, na qual a imagem da mulher era a dona-de-casa perfeita de saias rodadas, declarar usar apenas duas gotas de Chanel nº 5 para dormir era como acender o pavio de um coquetel Molotov. De fato, Miss Monroe casou várias vezes, colecionou amantes, era desejada no mundo todo. Mas declarou ao seu analista, em 1961, que nunca conseguira ter um orgasmo. Como? PAREM AS MÁQUINAS! Marilyn Monroe, a mulher que alimentava as fantasias sexuais, capa da primeira Playboy da história nunca tivera um orgasmo. Na época da sua morte, que completa 45 anos no próximo dia 05, a atriz ainda estava se descobrindo, a pedidos do analista, com a boa e velha masturbação. “Nunca chorei tão forte quanto na primeira vez em que gozei de verdade”, declarou ela. Se o mito morreu sem conseguir chegar lá em uma relação a dois, isso não se pode afirmar com certeza. Mas o paradoxo Marilyn ainda é realidade para muitas mulheres. A gostosona da sua vizinha, que atrai todos os olhares com as calças gang justíssimas e decotes na cintura mostrando o corpo esculpido a fome e horas de academia, pode ser pura propaganda enganosa. O que acontece, na verdade, é que com toda aquela coisa do sexo ser visto como pecado, acabamos levando um caminhão de fantasmas para a cama e, com isso, não há relaxa e goza que dê jeito... Junte isso às oscilações hormonais, e todos aqueles males modernosos: ansiedade, fobias, estresse, depressão e aquela conhecida neurose pelo corpo de modelo e pela vida profissional ultra-bem-sucedida... Pobre orgasmo! Como dá as caras desse jeito? Calma, não entre em desespero. Isso passa! Balzac, por exemplo, mesmo lá no longínquo século XIX, já falava sobre as vantagens do amadurecimento: “Uma mulher de trinta anos tem atrativos irresistíveis. A mulher jovem tem muitas ilusões, muita inexperiência. Uma nos instrui, a outra quer tudo aprender e acredita ter dito tudo despindo o vestido. (...) Entre elas duas há a distância incomensurável que vai do previsto ao imprevisto, da força à fraqueza. A mulher de trinta anos satisfaz tudo, e a jovem, sob pena de não sê-lo, nada pode satisfazer”. Em suma: a partir daí é que a brincadeira fica boa! Prova disso são diversas histórias de mulheres que só conseguem experimentar o orgasmo anos após a primeira vez... Francy, por exemplo, casou virgem e apenas nove anos depois do casamento conseguiu saber por que sexo era bom: “Fui ao ginecologista diversas vezes e só tive resultados quando fui encaminhada pra terapia. Minha vida mudou. Percebi que desconhecia totalmente meu corpo, não tinha idéia nem de como era a minha vagina. Passei a me descobrir, a olhar meu corpo e a desenvolver minha sexualidade. Nem sabia o que era masturbação, só descobri aos 32 anos e foi assim que tive meu primeiro orgasmo. Meu marido, ainda bem, sempre me apoiou”. Já Helena, de 54, sempre teve uma boa relação com o corpo. “Nunca tive problemas, adoro sexo. Acontece que, conforme os anos passam, as preocupações diminuem: não há mais medo de engravidar, os filhos também saem de casa, não existem mais aquelas preocupações chatas de “vencer na carreira”, etc. e, com isso, você tende a relaxar e aproveitar cada vez mais. O sexo fica mais duradouro, mais centrado no prazer de dar e receber. Não há tanta pressa com as preliminares, o que conta mesmo é a imaginação. Com tudo isso, é mais fácil de se “chegar lá” ainda mais vezes. O que acontece é que a gente precisa ter mais paciência não só com a ereção, que demora um pouquinho mais, como também com a nossa lubrificação, que com o tempo diminui. Agora imagine um casal de vinte e poucos anos vivendo isso? Ninguém transava mais! Aos 50 não há pressa, só desejo de ser feliz”. É uma questão de manter-se atenta aos sinais do corpo. Para isso, cada período de nossas vidas funciona como uma espécie de escola. Enquanto o pessoal pensa que a juventude é a "época áurea do sexo", a verdade é que com o passar dos anos, as coisas tendem a ser mais satisfatórias, principalmente porque a gente aprende a dar mais a cara a tapa, a errar para mais tarde acertar e a ver o quanto isso é bom, sem inibições. É na maturidade que a mulher se apropria do prazer. * com a colaboração de Lady in White.
Os nomes das entrevistadas são fictícios para preservar suas identidades.

sábado, 28 de julho de 2007

Sobre traição – Parte 2 (...e também o confronto final)

Quando comecei a pensar no assunto, imaginei escrever três crônicas. Tudo bem, eu admito: mudo de idéia facilmente. Talvez seja minha natureza impulsiva, ou quem sabe, transtorno bipolar, que faz ora me sentir a mulher mais poderosa do mundo, ora uma criança indefesa que quer se esconder de tudo... Anulei a segunda crônica, que contaria em detalhes a minha experiência ao ser traída. Nos momentos em que me sentia mulher-fatal estava longe demais do computador. E quando chegava perto, ironicamente quem tomava conta da situação era a criancinha estúpida...

Falar sobre traição é muito delicado. É mexer nas nossas feridas mais profundas. Sempre fui adepta da defesa da realidade, por mais dolorosa que fosse. Minha convivência familiar repleta de primos machos me fez crescer acreditando que exclusividade amorosa era uma utopia. Até aí tudo bem... Um discurso muito bem delineado, desprendido, de uma mulher a frente de seu tempo. Os namorados vieram. Um, dois, e até mesmo três ao mesmo tempo... A incansável busca pelo ser completo, mesmo que tivesse que encontrar parte dele em vários homens diferentes. Também fui traída e trocada por outras. Admitir que estava sofrendo? Jamais! Quanto mais sofria, mais azarava. Onze bocas beijadas em uma única noite. E nada de sentimentos, só prazer e “curtição”.
Contudo, uma delas conseguiu ser beijada por muito mais tempo que a média. Até que, em um belo dia, descobri que os meus lábios e meu corpo não eram os únicos a serem tocados. Normal, eu diria! Tudo era uma questão de ocasião! Eu não estava lá e alguém aproveitava a deixa para se fazer mais presente do que eu. A razão me fazia compreender perfeitamente a situação. Só não me fazia entender porque, no fundo, eu estava sofrendo. Se tudo estava tão claro, porque me sentia tão injustiçada? Uma fusão de sentimentos me deixava fraca como se estivesse traindo minhas próprias convicções. Como pude cair na velha cilada dos contos de fada? Que felizes para sempre o quê?
Quanta hipocrisia! Há séculos o ser humano tenta negar sua selvageria. Por que não assumir que somos sim, como qualquer outro animal? Precisamos dos outros para nos satisfazer, seja sexualmente ou psicologicamente! Por que não vemos problema nenhum em trair, mas nos lamentamos quando somos traídos? Uma amiga atribui isso ao fato de que tudo está bem quando a situação está sob nosso controle. Eu concordo! E, como uma Dominatrix, me satisfaço plenamente quando conduzo os passos da minha vida e daqueles que estão próximos. Talvez a dor se deva à minha própria traição! Ter sido ingênua o bastante para permitir que alguém editasse um trecho da minha história, sem consulta prévia.
Mas sinceramente, ainda não estou preparada para ter uma relação aberta, pautada na verdade, em que todos os casos amorosos extra-oficiais estejam explícitos para o casal. É nessas horas que é bom frear os ânimos da Srta. Power aqui dentro! Admitir que por mais que tente se desvencilhar dos traços de Julieta, ainda está longe da maturidade de uma Dama das Camélias...

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Uma questão de gozo

Noite de festa... Não estava tocando exatamente o tipo de música preferido de Adriana. Na verdade, estava ali porque não queria ficar só. Como era daquele ritmo que as amigas gostavam, foi junto. O que ela não previu foi a presença de Leandro... Eles já se conheciam. Muito bem, até. Um pouco por conta desse “amplo conhecimento”, andavam se estranhando. E foram àquela festa com o intuito de conhecer gente nova e beijar novas bocas... Leandro estava frio, Adriana fingia indiferença. Ele dançava com uma das amigas, ela conversava com outra. Até que Tati fala: - Dri, o Fernando tá ali! - Sério? Vou lá! Fernando era amigo de tempos, amigo de copo de cerveja, de aulas de matemática no colegial... Nunca teria nada com ele, nem fazia o seu tipo, queria só botar o papo em dia depois de anos sem se encontrarem. E era incrível como parecia que o tempo nunca passava pra eles... Muitas cervejas e cigarros depois, Tati aparece: - Já perguntaram por ti duas vezes. - Sério? Ah, deixa na dúvida... - Eu disse que estavas com um amigo. - Tu és péssima mesmo! Mais de uma hora de sumiço depois, Adriana volta pro meio da turma. Leandro, com cara de ponto de interrogação, puxou-a pra dançar. Ela nem teve reação, meio bêbada que estava depois dos copos de cerveja literalmente entornados com Fernando. Só sentiu que ele a arrastou pro meio do salão, longe da turma, e ao fim da música, num cúmulo de cretinice, soltou: - Eu não sei o que tu tens, Dri, mas não consigo resistir ao teu cheiro... Não se sabe quem agarrou quem, nem como eles foram parar no meio daquele bando de mato... A ação foi rápida: ele baixou um pouco o jeans dela, virou-a de costas e ela sentiu o desejo dele, com força. Mal conseguia se equilibrar naquele misto de sensações confusas, só sabia que era bom demais... Um êxtase atrás do outro, o quê que tava acontecendo? Ah, sim, Leandro sabia como lidar com ela, e era isso que sempre a enlouquecia... O medo de ser pega nem passava por sua cabeça, pelo menos até a hora em que um carro manobrando jogou o farol alto pra direção deles. - Pára, pára tudo! - Como assim? Eu ainda não terminei. - Como assim nada, eu já terminei, vamos embora. Adriana deixou Leandro na mão, mas gozou por todas as antepassadas que “deram uma sem chegar lá”...

segunda-feira, 23 de julho de 2007

A vagina de Suzon

Não basta ser; é preciso parecer.

Pronto, estava deflagrado. Bastou um indício para atiçar a imaginação dos mais obcecados. Estavam todos lá, jornalistas e visitantes, prontos para a abertura da exposição, quando uma das artistas surgiu. Quarentona, bonita, belas pernas, caminhando com a segurança que só a maturidade traz, pezinhos brancos e delicados enfiados em chinelos de dedo... e um belo vestido preto de malha, que aderia o suficiente ao corpo para deixar adivinhar que estava jogado diretamente sobre a pele. Nada de lingerie ou destes incômodos acessórios chamados calcinhas, que só servem para marcar a roupa. Enquanto ela caminhava com seu vestido de malha e nada mais, um fenômeno interessante aconteceu: embora cercados por outras artistas e visitantes até mais jovens e mais bonitas do que Suzon, todos os homens do recinto passaram a segui-la com os olhos, acompanhando o ritmo de sua caminhada. As ninfetas quase despidas que sempre estão onde há uma câmera, foram esquecidas, enquanto a macharada de plantão só se preocupava com uma coisa. Não. Nem pense em seios, coxas, quadris, cintura ou bumbum; o único pensamento na cabeça da ilustre ala masculina era a vagina de Suzon. Não é exagero, podem crer. Eu perguntei. Quer dizer, depois de esquecer completamente a exposição (dos quadros, e não do corpo de Suzon), a reportagem para escrever e observar os homens observando, não me contive. Virei para o exemplar do sexo masculino mais próximo, conhecido de outros carnavais, e disparei a brincadeirinha típica: - Que cara de lobo mau é essa, Marcelo? Parece até que viu a Chapeuzinho... - Vi, pior que vi. Quem é a mulher de vestido de malha? Conheces? - É a Suzon Flores, uma das artistas. Já nos esbarramos em outras vernissages. Interessado? - Ah, esse vestido de malha... Pausa. Embora ache cruel, entre os meus amigos jornalistas só há dois tipos de homem: os gays e os tarados. Se você quer apenas alguém divertido pra curtir, está no sindicato certo. Mas se você procura um sujeito fiel, carinhoso e legal para um relacionamento estável, melhor procurar em outra profissão. As exceções são exceções mesmo... enfim, como tinha quase certeza de que esse colega em particular pertencia à segunda categoria, tratei de provocar... - Conheço uma costureira que faz igualzinho. Mas não ia ficar bem em você, seus quadris são muito estreitos... - Engraçadinha... mas os dela... E ficou lá, perdido em devaneios. Decidi deixa-lo lá, e flanar um pouco pela exposição. Quando voltei, quase uma hora depois, ele ainda estava parado, quieto, olhando embasbacado para Suzon. E a reportagem por fazer... - Que é isso, companheiro? Amor à primeira vista, você já não passou da idade de acreditar nessas coisas, não? - Não, não é isso. É que ela está sem calcinha, e eu fiquei imaginando... - Imaginando o quê? - Como deve ser... - Como deve ser o quê? Tá, a pergunta foi canalha, e, pra piorar, óbvia, eu sei. Mas infelizmente tenho a tara da palavra, seja escrita ou falada. Mesmo sabendo qual era a resposta, eu precisava ouvi-la. - Como deve ser a vagina dela... – disse ele, encabulando um pouquinho e, paradoxalmente, deixando de ser por um momento o cafajeste de sempre. Um desavisado que olhasse, podia até acreditar na hipótese de amor. Ah, a vagina. Quantos mitos sobre ela já foram criados, e quantos já foram derrubados... chega a ser engraçado pensar que em tempos de sexo cibernético, quando a pornografia virou a nova nudez, um inocente vestido de malha sem calcinha possa mexer tanto com a imaginação dos homens. Bem dizem que sempre é mais eficaz insinuar do que mostrar. Enquanto Marcelo continuava suspirando e tecendo conjecturas sobre a vagina de Suzon, não pude me furtar de pensar que a humanidade é incrível: inventou o pecado e demonizou o sexo, só para depois criar canções, danças, sonetos, arte, o amor, a corte, os poemas, o Taj Mahal, as preliminares, tudo para que os homens tivessem acesso àquilo que eles mesmos tornaram inacessível com sua tola mania de resguardar a honra feminina para manter a sociedade patriarcal. Inventaram o problema e logo em seguida, começaram a pensar em maneiras de driblá-lo – ou seja, o conflito não está em dar, e sim, em dar sem que ninguém saiba. Impossível não pensar na Índia, onde sobrevive e passa bem, obrigado, o mito da deusa Kali, devoradora de homens, de cuja enorme ioni (vagina) advém toda a sorte de infortúnios da Terra. Ainda pensando na ioni de Kali, entrei no banheiro da galeria, para me deparar com a cena que decepcionaria a todos os coleguinhas presentes: Suzon saia do reservado, puxando o vestido para baixo, e deixando à mostra uma enorme calcinha sem costura, das que não marcam. O efeito visual sob o vestido era tão maravilhoso que quase pedi o nome da marca para comprar igual. Saí do banheiro sentindo um prazer quase orgástico por estar de posse daquele segredinho... já ia provocar Marcelo mais um pouquinho, mas mudei de idéia; o coitado e mais outros seis ou sete jornalistas e fotógrafos estavam reunidos, num dos cantos da galeria, dando palpites sobre o tamanho, a forma, a textura, a cor, o cheiro, o gosto... Divertiam-se tanto na conversa que achei que contar a verdade ia ser como arrancar brinquedo novo de criança. Suzon, de calcinha, despediu-se de mim, e só depois de entrar no carro, dei-me conta da ironia dos fatos: a artista plástica causou tanto frisson pela sua aparente nudez sob a malha preta que até meu motorista passou a semana comentando. Já eu, que assistia imparcialmente (até certo ponto) a toda a história, distraidamente esqueci que, embora o blazer comprido e a calça de veludo não deixassem ver, não usava nada próximo de lingerie naquele dia. De verdade.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

O Jambeiro

Aquele jambeiro sempre me encheu de recordações. Embora só o visse durante quinze dias a cada ano, nossa! Quantas histórias ele tinha pra contar... Ah, ele era testemunha dos meus suspiros e versos para o rapaz de olhos castanhos que morava no sobrado branco. Era guardião dos morcegos que tanto me assustavam. Era cúmplice na espionagem da vida do meu "futuro namorado" (namoro que não saiu dos sonhos).
Era companheiro ao assistir comigo da sacada os enterros que ocorriam no cemitério local. Era confidente, ao ouvir meus desabafos à minha melhor amiga, neta da dona da casa. Era amigo, ao fornecer sombra naquelas tardes insuportáveis de verão. Jambeiro, jambeiro... Quantas e quantas vezes você nos viu entrando e saindo em casa, chegando em pleno nascer do sol e escapando quando a amiga lua há muito fulgurava no horizonte! Presenciou brigas, beijos, choros, risadas, broncas, brincadeiras... Durante algum tempo sumi. Descobri outras praias, cidades, labirintos para me enveredar. Mas saiba que não esqueci, jambeiro amigo, o que testemunhastes para mim. E qual não foi minha dor ao constatar, em meu retorno, que lá não estavas mais... Caístes, jambeiro... Seria o peso dos seus anos ou dos meus pecados?

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Quero ser gata.

“Nós gatos já nascemos pobres / Porém, já nascemos livres / Senhor, senhora, senhorio / Felino, não reconhecerás” - Chico Buarque, “História de uma gata”

Manhã de janeiro. Estou eu refestelada no sofá acompanhada por dúzia e meia de livros acadêmicos, queimando neurônios, tentando entender o mundo. Hall, Eco, Jameson, Foucault, falta quem, falta quem? Eis que de repente, Mimi, a gatinha de estimação da minha tia, pula graciosamente para o meu lado, afofa as almofadas do sofá com as unhas e deita para dormir o sono dos inocentes.
Tenho uma amiga que não gosta de gatos. Sei que isso deixa esta crônica com cara de “procura-se um amor que goste de cachorros”, mas não é essa a intenção. Tenho uma amiga que não gosta de gatos. Aliás, tenho vários amigos que não conseguem apreciar as qualidades dos felinos. A mim, que sempre preguei a democracia, a liberdade de opiniões e a igualdade, só me resta dormir com esse barulho.
Acho graça quando alguém me diz que gosta de cachorros e não de gatos, ou vice-versa. É quase como dizer que gosta de homens e não de mulheres, e não falo de opção sexual. É gostar de mulheres, e nenhum homem do mundo servir ao menos para desejar bom dia. Cães e gatos são diferentes, mas exatamente como homens e mulheres, ou até mesmo mulheres e mulheres, são adoráveis de se observar. E exatamente como os diferentes, recebem tratamento desigual: aos cães, todas as regalias, o título de “melhor amigo do homem”, o pedaço de bife, o papel de mocinho nos filmes de Hollywood; aos gatos, os preconceitos. Dizem que eles são frios, interesseiros, egoístas, calculistas, incapazes de amar, como fazem até hoje com as mulheres. Os pobres descendentes de Bastet são associados ao mal encarnado, a superstições sobre má sorte. Eles são odiados pelos requintes de crueldade com que matam suas presas. Gozado... para mim, tudo isso faz com que eles pareçam... humanos.
Gatos gostam de passar a noite na farra e ter um lugar seguro para onde voltar. Quase todos os adultescentes que conheço também. Gatos não passam o dia atrás dos seus humanos (um gato nunca é bicho de alguém; sempre alguém é o humano de um gato), mas gostam que o colo, o carinho e o amor estejam lá. Vai dizer que você não é assim? Ah, pára, vai... mentindo pra mim? Gatos olham tudo com curiosidade silenciosa, observando, apreendendo, investigando discretamente, igual a uma certa jornalista que conheço, revirando em segredo os registros de entrada e saída de pacientes no Pronto Socorro Municipal para informar ao Jornal da Globo.
Sim, eles matam com um certo ar de caçadores cruéis as suas presas, a mesma crueldade estampada no rosto de homens e mulheres que insistem em brincar com os sentimentos do sexo oposto (ou do mesmo, dependendo do gosto) para provar que podem. Ainda assim, acho que os gatos atingiram uma condição que nos é negada: a da liberdade. Mesmo que se diga o contrário, estamos eternamente atados a convenções das quais nem nós nos damos conta. Basta observar melhor as relações afetivas entre os gatos.
Gatas no cio são extremamente interessantes. Aquelas criaturinhas tão frágeis, delicadas, elegantes soltando miados altos de desejo incontido, e pedindo pelamordedeus para que seus humanos não tranquem a porta e deixem-na visitar o gato do borracheiro da esquina, que pode não ter pedigree, mas morde que é uma beleza. E nós, e nós? Compramos a baboseira histórica de sociedade de classes, de sangue azul, de caráter, personalidade e renda, quando às vezes tudo o que queremos é seguir os instintos mais primitivos de macho e fêmea. Refreamos e retesamos o desejo até deixá-lo sob o domínio da razão, até canalizá-lo para as ambições, para a produção, para a guerra...
Um gato divide o teto comigo. Chama-se Ravel (aliás, todos os gatos dessa família têm nomes musicais: Ravel, Mimi, Fígaro...). Não foram poucas as vezes em que ele voltou para casa com o sol nascendo, cheio de feridas arranjadas em brigas com outros gatos, seja por amor, seja por território, mas principalmente pelo primeiro. Nós? Temos medo de brigar, de bancar os ridículos, de aceitar que sempre vale a pena investir, dedicar horas e pensamentos, ou mesmo alguns segundos, um recado no orkut, um telefonema... observar o Ravel me fez entender que o amor às vezes dói, deixa marcas, mas o prazer que ele proporciona é tão grande e tão melhor do que simplesmente uma vazia dança horizontal de corpos, que se um gato tem a coragem de se atirar de cabeça, eu também tenho.
Mulheres têm muito de gatas até o momento em que deixam o papel de mulher de lado, e assumem apenas o de mãe. Daí, passam a ser caninas. “Não vai te meter em fofoca!”, “Leva o guarda-chuva!”, “Esse homem não é bom pra você!”, “Não largue o emprego desse jeito!”. Prudência, sempre prudência. As gatas se metem onde não são chamadas, porque informação é poder, pegam chuva e chegam tiritando de frio em casa, não estão preocupadas se ele não ligou no dia seguinte, e se estiverem, tudo bem, enquanto isso, estou com você. Largam o emprego assim que este deixa de ser um prazer e se torna uma obrigação insuportável, mesmo que receba comunicado do SPC e viva de luz por um tempo.
Confesso que não sou tão gata quanto gostaria, ainda trago em mim muito dos cães. Ainda me preocupo com o jogo injusto dos relacionamentos, eu que não sei jogar, ainda sou prudente e não esqueço o guarda-chuva. Mas agora, observando a pequena Mimi no seu soninho post-coitum, começo a miar baixinho “eu quero, eu quero. Quero uma vida mais intensa, mais cheia de sensações, sem tanto medo do que virá, quero não ter que me preocupar se ele está apaixonado desde que a noite tenha sido boa, quero viver o hoje e deixar-me levar ao amanhã, em vez de tentar construir o amanhã sem atentar para o hoje, eu quero esquecer o guarda-chuva e deixar a tempestade das tardes de Belém lavar as marcas dos grilhões que me atavam os pulsos, quero... CARAMBA! Já são meio-dia!!! Merda, vou chegar atrasada, ai que droga...”
Enquanto paro de miar a liberdade para as paredes, Mimi abre lentamente seus olhinhos de gata e me olha com um misto de piedade e desprezo, como se dissesse: “Desse jeito, você nunca vai conseguir”. Desculpe, Mimi. Talvez ainda não seja a hora de virar gata, mas um dia, eu chego lá.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Vento de maio

Trânsito infernal. Um congestionamento básico às sete da manhã, o de praxe. Resolvo ligar o rádio pra tentar relaxar e adivinha que música toca? Vento de maio... Embora estejamos em outubro, as recordações começam a vir à tona... E lá vou eu cantarolando: Sol, girassol e meus olhos ardendo de tanto cigarro e quase que eu me esqueci que o tempo não pára nem vai esperar... Vento de maio, rainha do raio de sol... (*) E lá vêm as lembranças... Pelo menos não doem, pelo contrário: chegam em mim como soprinho gostoso, paliativo pro calor do engarrafamento... Há cinco meses, meu chefe pediu que eu fosse a um congresso em Buenos Aires, na área de criação, que é justamente o segmento com que trabalho. Meio a contragosto, já que ele me avisou em cima da hora e tive que desmarcar um monte de compromissos, lá fui eu pra capital argentina dois dias após aquela chamada. Já no avião, senta ao meu lado um jovem senhor. Devia ter uns quarenta anos, olhar doce, cara de quem adorava Ella (não me pergunte como é essa cara, é instintivo!)... Eu sou tímida, detesto puxar assunto, mas sabe lá Deus por qual loucura do destino começamos a bater papo e, só com aqueles momentos do vôo, já parecíamos amigos de infância! Juro que nunca imaginei que poderia me divertir tanto em uma semana de congresso, nem nos tempos da faculdade! Quando não estava em meio às chatices de palestras e debates, ligava pro meu amigo que, como bom e simpático argentino, me ciceroneava pelas ruas portenhas. Os versos de Jorge Luis Borges começavam a fazer sentido na minha cabeça: A mí se me hace cuento que empezó Buenos Aires: La juzgo tan eterna como el agua y como el aire. Eterna sim, senão não estaria aqui, sem precisar de tango, contando só com a voz da Elis Regina... Meu amigo, quando não estava trabalhando, me punha a fazer os programas mais variados, na maior parte das vezes fora dos roteiros turísticos corriqueiros: piqueniques, show de tango alternativo, brincar de bola na praça, cantar absurdos no meio da rua, comer pipoca sentindo o gélido ventinho de outono em nossas faces... A semana terminou, chegou a hora de voltar. Na despedida, ele foi me deixar no aeroporto e me entregou Vento de Maio copiada a mão e gravada em uma fita cassete. Disse que ao ouvir, lembrava de um dos nossos primeiros passeios, quando a cantamos em uma praça debaixo de chuvisco, sem medo algum do ridículo. Vez ou outra chegam umas cartinhas dele. A última tem uma previsão de visita à terra brasilis nas minhas férias. Perfeito! Só preciso lembrar de alguma canção que fale de janeiro...
(*) Composição de Telo e Márcio Borges.

sábado, 7 de julho de 2007

Burros, grilos e outros bichos

Durante um súbito acesso após ouvir dezenas de vezes Perfect Day, do Lou Reed, não me contive e liguei pra ele. Senti uma necessidade absurda de ouvi-lo, por mais que não fosse escutar juras de amor nem trechos nerudianos... Era só o tom de voz, aquela fala pausada, os acordes que sempre me soam melodiosos... Tá, tudo bem, Lady e eu entramos em consenso dia desses que se o amor não fosse burro, as mulheres seriam lésbicas e procriariam através de métodos artificiais! Mas atire a primeira pedra quem nunca se apaixonou perdidamente, seja por um bom moço ou – pior! – por um canalha, e não foi correspondida... Amanhã faz um ano que trocamos nosso primeiro beijo. Lógico que nem toquei nesse assunto, nosso caso è finito há um bom tempo. No entanto, maldita burrice amorosa, ainda suspiro pelo moçoilo que me ensinou a ir às nuvens ouvindo Miles Davis em questão de dias. Ao lado dele, muitas vezes me senti burra, mas nada que não superasse em pouco tempo e o fizesse se sentir um panaca depois que peguei as manhas. De acordo com um amigo que atua como meu psicólogo pessoal (sem sê-lo), tenho um sério problema que me faz ver que o amor só é burro de vez em quando: eu só me apaixono por homens extremamente inteligentes e minha paixão dura o tempo suficiente para que eu sugue todo o conhecimento deles que me interessa. Depois disso, descarto. Então provavelmente não esqueci o moçoilo porque ele não me deu tempo de sugá-lo inteiramente, faltam algumas coisinhas pra aprender com ele. Me senti meio monstra depois dessa constatação e, pior, veio de brinde aquela célebre dúvida: meu Deus, morrerei só ou surgirá uma wikipédia cultural ambulante em minha vida que terá conhecimento suficiente para ocupar o resto dos meus dias??? Marquei de ver amanhã o moçoilo que não foi inteiramente sugado, vou devolver um Cd que está comigo. Uma nova chance? Hahahaha, sonhei. Acho que consegui me interessar por um homem esperto o suficiente pra enxergar minhas nuances tenebrosas... Hein? Quê que eu tô falando? Homem esperto? São todos tão previsíveis... O problema é que ele me assusta sem nem saber e desarma meu lado negro da força. Qual gatinha assustada, me escondo debaixo da mesa mas, é claro, armo o próximo bote pra brincar com minha presa.

Sobre traição – Parte 1

Início de ano letivo na escola. Eu estava na 8ª série. Era um daqueles dias em que a gente acorda cheio de expectativas, como se algo bom estivesse prestes a acontecer. Foi assim quando nos conhecemos... A princípio, não gostei do que vi. Não fazia o meu tipo. Parecia tão bobo e desengonçado... Além do mais, eu tinha acabado de conhecer o meu primeiro namorado. Meigo, bonito, delicado, charmoso, sensível... Era o que me satisfazia... Só tinha um probleminha: quase não tinha tempo. Aulas, trabalho, família... Como ele era complicado e eu, perdidamente apaixonada...
Mas o que eu não conseguia entender era que se estava mesmo tudo bem porque aquele outro tinha chamado tanto a minha atenção? Fui conferir. Com o tempo, viramos amigos. Entrei para o seleto grupo de marmanjos. Foi muito divertido acompanhar de perto as incertezas e os problemas do mundo masculino. Por pouco tempo. Lamentavelmente, a presença da única mulher incomodou tanto que eles se separaram...
Sobramos nós dois. Conversávamos tardes inteiras... e brigávamos também. O namorado ficava com ciúmes... Mas ele, em vez de se afastar, nem dava bola. Era chato e me deixava confusa. Fazia eu me sentir ora mal, por plantar qualquer dúvida de infidelidade, ora bem, por me valorizar e ter autonomia para me relacionar com quem quisesse independente da opinião do meu amado. Talvez ele tenha sido responsável pelos primeiros traços de feminismo na minha personalidade.
Atencioso, e às vezes, irritante foi, à sua maneira, conquistando espaço em minha vida. As tardes já não eram suficientes. Passou a ir à minha casa, conheceu minha família. Até meu pai, que ainda me via como uma menininha, percebeu que havia algo mais... Na tentativa de ser moderno, me chamou pra conversar. Falou sobre namoro e sobre o meu amigo. Eu bem que tentei argumentar. “Não! Somos só amigos! É verdade!!!” Mas foi em vão... Ainda mais porque ele não ia entender nunca se eu dissesse que namorava um, mas andava pra cima e pra baixo com outro.
Acho que só eu não conseguia enxergar. Estávamos tão ligados que não havia como negar. Era muito mais que amizade... E recíproca... Ainda assim, não era mais forte do que eu sentia pelo namorado fantasma. E ele sabia disso, mas não se importava... Um dia me roubou um beijo, e depois outro, e outro...
E foi assim que, durante o primeiro namoro da vida, eu tive também o meu primeiro amante. Com apenas 13 anos de idade...

Amasso filosófico

Delectatio morosa do latim, “deleite moroso”. Trata-se, de acordo com Umberto Eco, da “demora concedida até mesmo àqueles que sentem a necessidade premente de procriar”. Em outras palavras, delectatio morosa seria o ato de segurar o gozo para que os amantes possam se perder nas preliminares, nas fantasias, nos corpos um do outro, na contemplação, nos toques, com o intuito único de oferecer prazer aos dois (ou seja qual for o número de sua preferência). Na "Súmula Teológica" de Tomás de Aquino, é considerado pecado mortal, visto que o sexo, para a Igreja Católica, serve apenas como instrumento de reprodução, e não de obtenção de prazer. Na escadaria da biblioteca, nenhum conceito filosófico-sexual-cristão passava pela mente de Catarina*. Embora trouxesse junto ao regaço obras de Simone de Beauvoir e de García-Lorca, não era com a condição feminina ou a poesia latino-americana do período das ditaduras que se ocupava. Subia os degraus lentamente, sentindo pesar sobre seu rosto o olhar que a acompanhava, ora evitando, ora encarando. Após o segundo lance de escadas, sentou-se no degrau de cima. Um breve colóquio cheio de risadinhas bobas (como são tolos os apaixonados!), e notou que Benjamin, o namorado de pouco tempo, esforçava-se para manter o decoro no local público. A biblioteca estava vazia, e lá fora, os fogos e as canções de São João rugiam, trovejavam, causando um barulho ensurdecedor. Passaram uma vida inteira na simples contemplação do rosto um do outro, o tempo corria, a areia da ampulheta caía, e os dois mantinham-se congelados, eternamente jovens, olhando. Apreendendo. Absorvendo. Bebendo cada detalhe das feições um do outro. Como se apenas de olhar, as linhas pudessem ser saboreadas pela língua. No momento em que os séculos deixaram de ser contados, e o tititi morreu nos lábios, as bocas se colaram uma a outra, e as mãos percorreram as curvas já conhecidas do corpo amado. Aguçaram-se os sentidos, aguçaram-se tanto que cada passo sobre os degraus, por mais longe que estivesse deles, era o suficiente para que ambos se soltassem, culpados, aguardando que algum padre inquisidor vestido como vigilante do prédio surgisse e tentasse puni-los por sentirem amor, por quererem se amar. Tão logo o silêncio fosse restabelecido, voltavam, lenta e languidamente, ao ponto onde pararam. Até a cidade mudou nas décadas contidas dentro dos 120 minutos que passaram juntos, perdidos na escadaria da biblioteca, deitados, ladeados por Beauvoir, Lorca e Darwin. Nasceram para aquele momento. Não tinham vivido se não para ele. Para as carícias intermináveis, para a delícia do toque delicado, que criava um desespero contido. Amor é como uma valsa, você sente medo de ficar zonzo com tantos rodopios, mas os passos se seguem sem que ninguém conduza totalmente. E a sucessão de movimentos ora lentos, ora mais rápidos, gera uma sensação de bem-estar jamais experimentada antes. Delectatio morosa. Deleite moroso. Não seria um sujeito feito Tomás de Aquino, embora respeitável, que embaçaria suas vistas com a sujeira do pecado. Na dúvida, melhor recorrer a Nietzsche e suas idéias a respeito da não-separação do corpo, espírito e mente. Se um depende do outro, oferecer prazer a um, necessariamente é beneficiar ao outro. Todos estavam muito velhos, e tudo tinha cheiro de novo quando saíram. Os grupos de quadrilha continuavam dançando, os fogos e a música de São João trovejando, e às mudanças da noite mal se lhes notava. As ruas por onde caminhavam apresentavam uma mudança sutil, quase imperceptível para quem não estivesse sob o efeito da mágica que faz o tempo correr em outra dimensão, de outra forma que não respeita o relógio. Benjamin. Beija a mim. Beija. Beijos. Os beijos na rua, que pediam para recomeçar o jogo. E depois, a despedida com gosto de êxtase até então desconhecido pelo resto do mundo. E de segredo, por ter descoberto a fórmula da imortalidade. Podia passar quanto tempo fosse. As horas deles eram eternas.
* Os nomes foram trocados para proteger as identidades dos culpados, ou inocentes, ou envolvidos, dependendo da sua visão em relação ao amasso.

Brinde inicial

Belo dia para começar algo, um dia cabalístico: 07/07/07. Três repetições de um número remetem a sucesso e prosperidade, ou seja, o primeiro passo foi dado com o Manolo Blahnik direito.
Quatro damas e tanto compõem o quadro fixo deste blog. Algumas optam pelas Havaianas, outras pelo All Star, mas a elegância é a de quem usa Prada desde o nascimento.
Destilando veneno ou se rendendo às doçuras do amor, elas caminham pela vida e pelo mundo com passo certeiro, olhar aguçado e língua ferina! Mais ainda, com o computador sempre à mão, prontas para publicar todos os detalhes curiosos da vida feminina, masculina ou qualquer transgênero no meio-termo.