segunda-feira, 23 de julho de 2007

A vagina de Suzon

Não basta ser; é preciso parecer.

Pronto, estava deflagrado. Bastou um indício para atiçar a imaginação dos mais obcecados. Estavam todos lá, jornalistas e visitantes, prontos para a abertura da exposição, quando uma das artistas surgiu. Quarentona, bonita, belas pernas, caminhando com a segurança que só a maturidade traz, pezinhos brancos e delicados enfiados em chinelos de dedo... e um belo vestido preto de malha, que aderia o suficiente ao corpo para deixar adivinhar que estava jogado diretamente sobre a pele. Nada de lingerie ou destes incômodos acessórios chamados calcinhas, que só servem para marcar a roupa. Enquanto ela caminhava com seu vestido de malha e nada mais, um fenômeno interessante aconteceu: embora cercados por outras artistas e visitantes até mais jovens e mais bonitas do que Suzon, todos os homens do recinto passaram a segui-la com os olhos, acompanhando o ritmo de sua caminhada. As ninfetas quase despidas que sempre estão onde há uma câmera, foram esquecidas, enquanto a macharada de plantão só se preocupava com uma coisa. Não. Nem pense em seios, coxas, quadris, cintura ou bumbum; o único pensamento na cabeça da ilustre ala masculina era a vagina de Suzon. Não é exagero, podem crer. Eu perguntei. Quer dizer, depois de esquecer completamente a exposição (dos quadros, e não do corpo de Suzon), a reportagem para escrever e observar os homens observando, não me contive. Virei para o exemplar do sexo masculino mais próximo, conhecido de outros carnavais, e disparei a brincadeirinha típica: - Que cara de lobo mau é essa, Marcelo? Parece até que viu a Chapeuzinho... - Vi, pior que vi. Quem é a mulher de vestido de malha? Conheces? - É a Suzon Flores, uma das artistas. Já nos esbarramos em outras vernissages. Interessado? - Ah, esse vestido de malha... Pausa. Embora ache cruel, entre os meus amigos jornalistas só há dois tipos de homem: os gays e os tarados. Se você quer apenas alguém divertido pra curtir, está no sindicato certo. Mas se você procura um sujeito fiel, carinhoso e legal para um relacionamento estável, melhor procurar em outra profissão. As exceções são exceções mesmo... enfim, como tinha quase certeza de que esse colega em particular pertencia à segunda categoria, tratei de provocar... - Conheço uma costureira que faz igualzinho. Mas não ia ficar bem em você, seus quadris são muito estreitos... - Engraçadinha... mas os dela... E ficou lá, perdido em devaneios. Decidi deixa-lo lá, e flanar um pouco pela exposição. Quando voltei, quase uma hora depois, ele ainda estava parado, quieto, olhando embasbacado para Suzon. E a reportagem por fazer... - Que é isso, companheiro? Amor à primeira vista, você já não passou da idade de acreditar nessas coisas, não? - Não, não é isso. É que ela está sem calcinha, e eu fiquei imaginando... - Imaginando o quê? - Como deve ser... - Como deve ser o quê? Tá, a pergunta foi canalha, e, pra piorar, óbvia, eu sei. Mas infelizmente tenho a tara da palavra, seja escrita ou falada. Mesmo sabendo qual era a resposta, eu precisava ouvi-la. - Como deve ser a vagina dela... – disse ele, encabulando um pouquinho e, paradoxalmente, deixando de ser por um momento o cafajeste de sempre. Um desavisado que olhasse, podia até acreditar na hipótese de amor. Ah, a vagina. Quantos mitos sobre ela já foram criados, e quantos já foram derrubados... chega a ser engraçado pensar que em tempos de sexo cibernético, quando a pornografia virou a nova nudez, um inocente vestido de malha sem calcinha possa mexer tanto com a imaginação dos homens. Bem dizem que sempre é mais eficaz insinuar do que mostrar. Enquanto Marcelo continuava suspirando e tecendo conjecturas sobre a vagina de Suzon, não pude me furtar de pensar que a humanidade é incrível: inventou o pecado e demonizou o sexo, só para depois criar canções, danças, sonetos, arte, o amor, a corte, os poemas, o Taj Mahal, as preliminares, tudo para que os homens tivessem acesso àquilo que eles mesmos tornaram inacessível com sua tola mania de resguardar a honra feminina para manter a sociedade patriarcal. Inventaram o problema e logo em seguida, começaram a pensar em maneiras de driblá-lo – ou seja, o conflito não está em dar, e sim, em dar sem que ninguém saiba. Impossível não pensar na Índia, onde sobrevive e passa bem, obrigado, o mito da deusa Kali, devoradora de homens, de cuja enorme ioni (vagina) advém toda a sorte de infortúnios da Terra. Ainda pensando na ioni de Kali, entrei no banheiro da galeria, para me deparar com a cena que decepcionaria a todos os coleguinhas presentes: Suzon saia do reservado, puxando o vestido para baixo, e deixando à mostra uma enorme calcinha sem costura, das que não marcam. O efeito visual sob o vestido era tão maravilhoso que quase pedi o nome da marca para comprar igual. Saí do banheiro sentindo um prazer quase orgástico por estar de posse daquele segredinho... já ia provocar Marcelo mais um pouquinho, mas mudei de idéia; o coitado e mais outros seis ou sete jornalistas e fotógrafos estavam reunidos, num dos cantos da galeria, dando palpites sobre o tamanho, a forma, a textura, a cor, o cheiro, o gosto... Divertiam-se tanto na conversa que achei que contar a verdade ia ser como arrancar brinquedo novo de criança. Suzon, de calcinha, despediu-se de mim, e só depois de entrar no carro, dei-me conta da ironia dos fatos: a artista plástica causou tanto frisson pela sua aparente nudez sob a malha preta que até meu motorista passou a semana comentando. Já eu, que assistia imparcialmente (até certo ponto) a toda a história, distraidamente esqueci que, embora o blazer comprido e a calça de veludo não deixassem ver, não usava nada próximo de lingerie naquele dia. De verdade.

5 comentários:

ChickØ Martins disse...

Bem legal seu conto. Gostei.

Mas, "um ,inocente vestido de malha sem calcinha possa mexer tanto com a imaginação dos homens", na boa, não existe nada de inocente nesses vestidos...rss


Mas, vocês mulheres também se enfeitiçam muito rápido. Quando se convencem que o cara é "perfeito" aí já foi...rss


:)

Anônimo disse...

show de bola teu texto =)
valeu a visita!
beijos e beijos**

MaxReinert disse...

hummm.... muito bom texto... e, não é verdade mesmo?... não importa se você é/está algo/alguma coisa... o que importa é o parecer ser/estar.... uma imagem bem vendida vende horrores, mesmo que seja uma farsa!!!!

Bjzzzzzzz

Anônimo disse...

Realmente, insunuar é melhor do que mostrar. Nada mais inteligente do que instigar as pessoas...

Belo texto!!

Isa Dora disse...

Insinuar é melhor q mostrar, e disso, não temos nenhuma dúvida...

Moça, tô adorando ler os textos daqui.

Beijocas procês.
:***